Profissionalismo Público em uma Era de Transformações Radicais: Seu Significado, Desafios e Treinamento
Disponível somente em PDF. Extraído da Revista de Administração Pública da FGV.
“O profissionalismo público vive hoje dentro de um mundo esquizofrênico. Por um lado, nunca tantas pessoas tiveram a aspiração de tornarem-se profissionais. Como escreveu Everett Hughes — talvez a maior autoridade acadêmica nesse tema —, ‘as profissões nunca foram tão numerosas. Os profissionais formam uma grande parcela da força de trabalho. A atitude ou o humor profissional também está mais disseminado; o status de ‘profissional’ é cada vez mais cobiçado’. Por todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento, os profissionais públicos e o profissionalismo estão, com sucesso, contribuindo para o crescimento do PIB e para moldar e implementar a política pública na maioria das áreas (senão em todas elas). Em 2017, 27% da força de trabalho no governo federal dos Estados Unidos atuando em tempo integral estão classificados como ‘profissionais’, 37% como ‘administradores’ e 27% como ‘pessoal técnico’ (caso de 5.521 economistas, 35.529 enfermeiros, 20.115 engenheiros eletrônicos, 17.118 advogados e 242 curadores de museus). Isso significa que mais de um terço dos funcionários federais são classificados como ‘profissionais técnicos’ (número que seria muito maior se outros empregados que são eventualmente contratados para serviços relacionados com o funcionamento do governo fossem incluídos). A profissionalização é tão disseminada que há muito tempo Frederick Mosher cunhou o termo ‘estado profissional’ referindo-se ao governo. Já Don Price referiu-se ao governo como ‘o estado científico’ e Zbigniew Brzezinski adotou o termo ‘sociedade tecnocrática’. Seja qual for o rótulo, os profissionais públicos sem dúvida fazem o governo moderno funcionar e a sociedade contemporânea andar. No entanto, em 2017, as nações ocidentais estão às voltas com determinadas revoltas generalizadas e populistas contra servidores públicos não eleitos. Os eleitores esbravejam contra os profissionais públicos e sua capacidade de influência sobre o desenho das políticas públicas, de maneira cada vez mais enfática e frequente. O voto pelo Brexit no ano passado no Reino Unido indicou o desejo pela independência em relação aos funcionários da União Europeia em Bruxelas, não eleitos e distantes dos cidadãos. A posse do presidente dos Estados Unidos Donald Trump este ano pode ser atribuída significativamente ao fato de ele ser ‘um estranho’ que, pela primeira vez na história do país, nunca foi um político eleito, nem sequer serviu em qualquer cargo público, nem mesmo militar. Sua campanha presidencial teve como alvo instituições estabelecidas como a Otan, os acordos climáticos de Paris, o plano de saúde governamental (Affordable Health Care), a CIA e, mais recentemente, o diretor do FBI. França, Itália, Países Baixos e outros testemunharam o surgimento e o poder de líderes populistas similares, com agendas abrangentes voltadas ao corte de despesas de governo e/ou sua radical reforma. Em suma, recentemente, o eleitorado em todos os lugares parece querer pressionar e sacrificar os especialistas! Idealmente, eliminá-los.
Esta aula procurará abordar os desafios dos profissionais que trabalham neste mundo contra-ditório de “duas caras”, que, ao mesmo tempo que os abraça com entusiasmo, os rejeita fortemente. Examinaremos primeiro o que é o profissionalismo público hoje, como o termo pode ser definido atualmente e quais são seus maiores e fundamentais valores.
Em segundo lugar, quais são as principais tendências político-sociológicas-econômicas que influenciam as atividades e moldam ações de profissionais públicos? Quais suas fontes e impactos? E como essas forças reestruturam o trabalho dos profissionais, bem como os valores fundamentais que serviram no passado para criar e manter o profissionalismo público?
Finalmente, tendo em conta essas novas realidades das transformações radicais que enfrentam os profissionais públicos em todo o mundo na segunda década do século XXI, como os professores podem educar aqueles que visam carreiras como profissionais públicos, além de promover as habilidades daqueles que já estão no serviço público? Como é que isso pode ser mais bem ensinado, considerando os desafios que os governos em geral enfrentam?”